10 de dez. de 2015

A Fosfoetanolamina e o "Direito de Tentar" (2ª parte)

Continuação...

Chiarice acusa a Anvisa de “má vontade” por não tê-lo ajudado a desenvolver os testes pré-clínicos e clínicos necessários para a avaliação da substância. A Anvisa esclarece que não é papel da agência desenvolver pesquisas e medicamentos. "É preciso destacar que a Anvisa só avalia pesquisas clínicas ou requerimentos de registro de medicamentos e demais produtos se houver solicitação do interessado. Ou seja, a Agência não realiza análises sem motivação objetiva", afirmou a instituição por e-mail. A agência observa ainda que "a venda ou distribuição de qualquer medicamento sem registro ou fora do contexto de uma pesquisa clínica aprovada caracteriza uma ilegalidade".

Mais recentemente, uma parceria entre Chiarice e o Instituto Butantan levou à publicação de cinco artigos em revistas científicas sobre a ação anticancerígena da fosfoetanolamina sintética em culturas de células e em animais. Porém não houve prosseguimento dos testes para viabilizar um estudo em humanos.

Houve ainda um contato com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em novembro de 2013 para o prosseguimento dos testes, mas nenhum acordo foi firmado. Segundo Chiarice, a instituição exigia que a patente do método de sintese da substância fosse passada para a Fiocruz, o que não teria sido aceito pelo pesquisador. Já a Fiocruz afirma que não realizou o pedido da patente, apenas informou que para uma possível produção pública de cápsulas da substância, após a realização dos estudos necessários, o licenciamento da substância poderia ser passado a um laboratório oficial.

Demandas judiciais
Depois da aposentadoria de Chiarice do IQSC em 2013,  o instituto interrompeu a produção da cápsula. Em nota, o instituto afirma que constatou que, como não havia licença e registro necessários para a produção da substância para fins medicamentosos, essa distribuição estava ferindo a legislação federal. Vários pacientes, porém, estão conseguindo na Justiça o direito de receberem a substância, por isso o IQSC continua produzindo e fornecendo o produto para atender às demandas judiciais.

"Cabe ressaltar que o IQSC não dispõe de dados sobre a eficácia da fosfoetanolamina no tratamento dos diferentes tipos de câncer em seres humanos – até porque não temos conhecimento da existência de controle clínico das pessoas que consumiram a substância – e não dispõe de médico para orientar e prescrever a utilização da referida substância", afirmou o instituto.

Risco aos pacientes
Para o pesquisador João B. Calixto, coordenador do Centro de Inovação e Ensaios Pré-clínicos (CIEnP), uma entidade privada de pesquisas que presta serviços a empresas farmacêuticas, a situação é atípica e pode colocar em risco os pacientes.

 “Provavelmente, no passado, situações como essa aconteciam com mais frequência, mas há muito tempo existem leis cada vez mais rígidas que têm como principal preocupação a segurança do paciente”, afirma. “O que se tem nesse caso é apenas uma molécula que não foi sintetizada por causa do alvo, mas meio ao acaso. Hoje, a indústria não faz uma molécula ao acaso, mas baseada no alvo que ela quer atacar.”

Enquanto isso, centenas de pacientes continuam procurando Chierice para pedir as “cápsulas da USP” por acreditarem que ela é capaz de curar o câncer. Não há qualquer registro sobre quantas pessoas já recorreram à substância e nem sobre o efeito que a cápsula teve no organismo dos pacientes.

Novas pesquisas
Diante de tantas dúvidas e incertezas confrontadas com o os anseios dos pacientes, no ultima dia 17/11 o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Celso Pansera anunciou a liberação de cerca de 2 milhões de reais para  a primeira fase de testes pré-clínicos com a droga (feitos em cobaias, antes de a substância ser usada em humanos) concluída em sete meses.  Ele explicou que os testes serão feitos a partir de duas amostras da molécula. Uma será requisitada à Universidade de São Paulo (USP) e outra será manufaturada com base na descrição do composto registrado no pedido de patente apresentado ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi). Segundo o MCTI, depois da primeira etapa de análises, estão previstas as fases seguintes do estudo em humanos.
 “Existe uma polêmica provocada por decisões judiciais no sentido de mandar a Universidade de São Paulo distribuir essa molécula. Não existe informação, por parte da Anvisa, nem de nenhum outro órgão, que certifique o uso desse remédio no Brasil ou no mundo; não há ninguém que tenha certificado essa molécula como remédio de combate à doença”, afirmou o ministro Pansera, em entrevista coletiva.  A estimativa é que nos próximos anos sejam gastos aproximadamente R$ 10 milhões na pesquisa.
E quando tudo parecia ter entrado nos eixos, O governador Geraldo Alckmin  foi para a imprensa dizer que vai pedir à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a liberação para o uso da fosfoetanolamina sintética. A afirmação foi feita na última terça-feira (24/11), quando o governador ofereceu hospitais e laboratórios da rede estadual para a avaliação.
A atitude de querer liberar a fórmula antes dos testes clínicos foi criticada por especialistas, de acordo com o Estadão. "Essa substância já vem há quase 20 anos sendo testada e tem tido resultados surpreendentes. Vamos procurar ajudar e trabalhar para que a Anvisa, baseada em lei federal, autorize o regime compassivo, quando a substância é disponibilizada para que as pessoas possam utilizar antes da sua aprovação pela Anvisa", afirmou Alckmin.
Segundo o jornal, o governador fez uma reunião com o pesquisador Gilberto Chierice, antigo professor de Química daUniversidade de São Paulo (USP) de São Carlos, idealizador da fórmula, além de alguns pacientes.

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http://falandosobreela.blogspot.com.br/2015/12/a-fosfoetanolamina-e-o-direito-de.html