No último dia 17 de
fevereiro, o Bom Dia Brasil exibiu a reportagem no link abaixo:
http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2017/02/pacientes-sofrem-sem-remedio-para-controlar-doenca-incuravel.html. Com pouco mais de 3
minutos, a matéria nem de longe foi capaz de relatar as enormes deficiências
que existem no SUS no atendimento mínimo necessário para uma abordagem adequada
aos pacientes de ELA.
Infelizmente, a maioria
dos pacientes não consegue ter acesso a um sistema de saúde privado, ou a um
Centro de Referência como o que aparece na reportagem na UFRN, alem de outros
como: UNIFESP, UNICAMP, USP, HCRP, UFRJ, UFF, UFRGS, UFMG e Santa Casa de Porto
Alegre, por exemplo. Com isso, o nível de informação sobre a doença e os
cuidados que os pacientes realmente deveriam receber alem do riluzol acabam não chegando
a eles. Refiro-me a 3 pontos específicos:
1-Uso do bipap no tempo
mais precoce possível com acompanhamento de um(a) Fisioterapeuta Respiratório.
2-Nutrição adequada ao paciente para
manutenção do seu peso com acompanhamento de um(a) Nutricionista.
3-Acompanhamento
regular por uma equipe multidisciplinar, incluindo, alem dos profissionais
acima citados: Psicólogo, Terapeuta Ocupacional, Enfermeira, e claro, o Neurologista e o Pneumologista.
No caso específico do
Bipap, existe a Portaria 1370/2008/MS, que “institui,
no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, o Programa de Assistência
Ventilatória Não Invasiva aos Portadores de Doenças neuromusculares”, o que
inclui a DNM/ELA. Segundo essa Portaria, “o
Programa ora instituído tem por
objetivo:
-
melhorar a atenção à saúde dos portadores de doenças neuromusculares
- adotar medidas que permitam retardar a perda
da função vital destes pacientes ou mesmo evitá-la
- “promover
a melhoria da sua qualidade e expectativa de vida e, ainda, ampliar o acesso à
ventilação nasal intermitente de pressão positiva quando a mesma estiver
indicada”.
A Portaria estabelece ainda
“que as Secretarias de Saúde dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios em Gestão Plena do Sistema devam adotar as
medidas necessárias à organização e implantação do Programa de Assistência
Ventilatória Não Invasiva aos Portadores de Doenças Neuromusculares ora
instituído”. Infelizmente, na prática a grande maioria dos municípios e
estados brasileiros não cumprem a citada Portaria, obrigando os pacientes recorrerem a
judicialização.
A
Portaria 1151/2015/MS aprova o Protocolo Clínico e Diretrizes
Terapêuticas (PCDT) para a ELA, e estabelece “que entre todas as condutas
terapêuticas não farmacológicas, o
suporte ventilatório não invasivo, nas suas várias modalidades, é a que mais
aumenta a sobrevida e a qualidade de vida do paciente com ELA, sendo
inclusive possivelmente superior ao uso de riluzol.”
Tive a honra de
conhecer pessoalmente o ilustre Dr. Emílio em um Simpósio na Abrela, o médico que aparece na reportagem, e não
tenho dúvida de que o serviço que ele coordena é modelo no Brasil, assim como
os demais que aqui citei, e com certeza ele orienta seus pacientes sobre as questões acima citadas. O problema é que a
reportagem de apenas 3 minutos não abordou o assunto de forma global, induzindo
os pacientes de ELA e seus familiares/cuidadores a concluir que o riluzol é a
melhor e única solução possível para o tratamento da ELA.
O riluzol foi aprovado
para o tratamento da ELA nos anos 90. No entanto, a ciência avançou muito, e os
conceitos sobre a abordagem terapêutica mais eficaz da ELA mudaram. Novos
conhecimentos foram adquiridos, e as pesquisas começaram a mostrar novas
possibilidades para uma abordagem melhor e mais eficaz do paciente. Assim, apesar do riluzol ainda ser a única terapia medicamentosa aprovada pelo FDA para o tratamento da ELA, e deve sim ser utilizado quando o médico prescrever, tambem é verdade que a melhor abordagem para o tratamento da ELA não deve mais se limitar apenas ao riluzol. A prática clínica atual vem demonstrando isso de forma irrefutavel. Há inclusive especialistas renomados que colocam em cheque a relação custo x benefício do riluzol.
Não há fundamentação científica que possa justificar o alarmismo, a angústia, a ansiedade e o desespero por conta da falta de riluzol para dispensação aos pacientes. Na verdade, a falta de uma orientação mais contemporânea e bem fundamentada acaba por causar uma inversão de conceitos.
Não há fundamentação científica que possa justificar o alarmismo, a angústia, a ansiedade e o desespero por conta da falta de riluzol para dispensação aos pacientes. Na verdade, a falta de uma orientação mais contemporânea e bem fundamentada acaba por causar uma inversão de conceitos.
Então, o que irá comprometer
a sobrevida e a qualidade de vida dos pacientes de ELA não será a falta do
riluzol, mas sim todo um conjunto de tratamentos paliativos (aliados ao riluzol,
à metilcobalamina, etc.) que hoje lhes são negados e negligenciados pelo SUS,
apesar da regulamentação das citadas Portarias, principalmente o acesso ao
BiPap.
Portanto, o futuro dos
pacientes de ELA que não tem acesso a um sistema privado de saúde ou a um Centro
de Referência, é “morar” dentro da UTI de algum hospital público e ali permanecer à
sua própria sorte, e o riluzol não poderá nos livrar desse triste destino.
Temos vários relatos nas redes sociais de ELA sobre esse fato recorrente.
Assim, precisamos
desmistificar o riluzol, revindicando ao poder público todas as demais possibilidades terapêuticas as quais temos direito, sob pena de nós mesmos sucumbirmos e sermos os mais
penalizados por conta das nossas equivocadas expectativas.