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Em 2009 fui diagnosticado com uma doença do neurônio motor (DNM) Trata-se de uma doença neuromuscular, progressiva, degenerativa e sem cura. Mesmo assim insisto que vale a pena viver e lutar para que pesquisas, tratamentos paliativos, novos tratamentos cheguem ao Brasil no tempo + breve possível, alem do respeito no cumprimento dos nossos direitos. .

29 de nov. de 2014

ELA: Para além do balde de água fria.



 Prof. Dr. José Mauro Braz de Lima, PhD
 

A Esclerose Lateral Amiotrófica, ELA, ou Doença de Charcot (1825 – 1894), descrita pelo grande neurologista Frances em meados do século XIX, constitui-se em uma grave e séria enfermidade caracterizada por processo degenerativo do sistema motor (Doença do Neurônio Motor), progressiva e fatal, cuja causa ainda é desconhecida.  Evolui de modo progressivo, em média 4 anos, podendo ser mais ou menos rápida, conforme perfil patológico. Evoluindo com paralisias, amiotrofias e miofasciculações, dos braços e pernas, comprometendo a fala e a deglutição já nas fases mais avançadas, quando se soma os distúrbios respiratórios agravando ainda mais o quadro clínico, aumentando a necessidade de cuidados de maior complexidade.

Doença incomum, com incidência de 2 a 3 casos por 100.000 habitantes, predominando na faixa etária de 40 a 60 anos, tem sido mais observada hoje pelo fato do aumento importante da população mais velha, embora pesquisas epidemiológicas precisem ser mais aprofundadas nesse campo. A prevalência no Brasil, e no mundo em geral, pode ser estimada em cerca de 4 a 5 casos por 100 mil habitantes, o que representa algo em torno de 16 a 24 mil casos vivos no momento. De acordo com  estudo que publicamos em uma importante revista internacional  de Neurologia, órgão oficial da World Federation of Neurology: Journal of Neurological Sciences ( Loureiro, MPS; Gress,Cláudio H;Thuler, Luis.C.S ;Alvarenga, Regina M.P;Lima.JBM : “Clinical aspects of Amyotrofic Lateral Sclerose; J. Neurol. Sci., nº 15, May, 2012), o Brasil apresenta um perfil parecido com o de outros países, porém chama atenção para uma leve tendência para casos mais novos. Este assunto continua sendo, por nós, alvo de novos estudos.

 Considerada uma das mais dramáticas doenças, de etiologia ainda obscura e sem cura, há mais de 30 anos atendemos esses pacientes e familiares no nosso Setor de Doenças do Neurônio Motor/ Esclerose Lateral Amiotrófica (DNM/ELA), estabelecido no Instituto de Neurologia Deolindo Couto da UFRJ, desde 1978. 

Quando começamos esse pioneiro projeto docente-assistencial (assunto da minha tese de mestrado em Neurologia/UFRJ, 1979), criando o Ambulatório Especial de DNM/ELA que existe até hoje, a população brasileira era de cerca de 100 milhões de pessoas. Não só pela duplicação da população, hoje de 200 milhões, mas também pela melhoria do diagnóstico, a ELA é, hoje, uma doença bem mais relatada e identificada, apesar de ainda verificarmos, não raramente, dificuldades no diagnóstico.

Atualmente sob a  coordenação clínica  da Drª Marli Pernes MSc (foto em pé, no centro), nestas mais de três décadas de atividades, sem interrupção, foi possível desenvolvermos consistente produção acadêmico-científica: inúmeros trabalhos apresentados em Congressos nacionais e internacionais, artigos, teses de mestrado, doutorado e pós-doutorado, simpósios e seminários, ações de extensão etc,...).  Até pelo lado legislativo, ajudamos a instituir o “Dia de Atenção e Cuidados da ELA”, dia 29 de Novembro, data de nascimento de Jean-Martin Charcot. 

Amb INDC
Vale ressaltar, aqui, que neste Ambulatório, atende-se hoje, cerca de 20 pacientes por semana (80/mês), e  em média, 2 a 3 casos novos (de primeira vez), por semana, encaminhados por colegas ou pela rede assistencial. Assim, com esses números, o Setor DNM/ELA – INDC/UFRJ, tornou-se, desde há muito anos, uma das grandes referências clínicas no atendimento da ELA em nosso país, atendendo e diagnosticando cerca de 100 casos novos por ano, fazendo  quase mil consultas médicas/ano e tendo em acompanhamento no momento, cerca de 200 pacientes. Sem dúvida, podemos considerá-la uma das maiores casuísticas do mundo.

Amb INDC
É exatamente dentro deste contexto, em meio as conhecidas precariedades e insuficiências do nosso Sistema Público de Saúde (SUS) e, também, da rede privada, que testemunhamos a enorme dificuldade dos pacientes portadores de ELA, seus familiares e cuidadores,obterem acesso e atendimento adequado e digno de que tanto precisam. Essa, para nós profissionais, é uma das questões das mais sérias e importantes tanto quanto as pesquisas da causa e da cura dessa “terríble maladie”, como dizia Charcot. Nestes dois meses dessa espetacular campanha de arrecadação com a participação, inclusive, de muitas celebridades (em final de agosto, mais de US$ 80 milhões), não foi dada a devida atenção e destaque para o crucial aspecto da disponibilidade e do acesso a serviços especializados para o indispensável atendimento clínico e procedimentos pertinentes ao tratamento envolvendo os diversos profissionais de uma equipe multidisciplinar preparada. 

Reunião de familiares INDC
O Sistema Público de Saúde (SUS), hospitais gerais e/ou universitários, ou mesmo, hospitais do sistema e dos planos privados ou filantrópicos, em nosso país deixam enorme lacuna que, para os pacientes de ELA e familiares, se reveste em uma maior carga de sofrimento principalmente nas fases mais avançadas, quando se deparam com as maiores dificuldades inerentes a esses pacientes, agravadas muitas vezes pela necessidade de assistência ventilatória invasiva e nutricional, além de outros cuidados, inclusive psicológicos. É claro que arrecadar fundos para a realização das pesquisas é de fundamental importância, todavia, cabe aqui chamar a atenção para a mais prosaica e importante das missões do Médico e de todos os profissionais da equipe que tratam da ELA, que é acolher, tratar, aliviar o sofrimento dos pacientes e familiares, melhorando o mais possível a qualidade de vida. E neste aspecto a situação da Saúde do nosso país mostra enormes falhas e carências como há muito todos nós sabemos e vemos nos noticiários,  infelizmente.  É sim, um “balde de água fria” na esperança de se ter um tratamento mais adequado e mais digno para todos pacientes portadores de ELA e seus familiares

Que a campanha de tanto sucesso possa no Brasil servir de motivo para melhoria das condições do atendimento na Rede Pública ou nos serviços da rede privada, para minimizar o sofrimento e as angustias inerentes a essa severa doença neurológica.


         Dr. José Mauro Braz de Lima, PhD
 (21)99966-4780 / (21)2205-7223
 Presidente da Assoc. de Neurologia do Estado do Rio de Janeiro/ANERJ(2011 – 13)
 Prof. Assoc. IV de Neurologia da Fac. de Medicina da UFRJ (1975-2013)
 Coord. Programa Acadêmico DNM/ELA UFRJ (1979-2013)
 Neurologista-Assistente Estrangeiro do Serviço de Neurologia do “Hôpital de la      Salpêtriére (Pavillon du Prof. Charcot)”– Universidade de Paris (1991 – 1992).