A burocracia para autorização de pesquisas clínicas de medicamentos no país poderá ser enfrentada com a formação de um grupo de trabalho — integrado por representantes do Ministério da Saúde, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e de institutos de pesquisa na área — encarregado de apresentar, em 60 dias, uma proposta de marco regulatório para o setor.
A decisão resultou de audiência pública realizada nesta terça-feira (18) pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS). A senadora Ana Amélia (PP-RS) foi a autora do requerimento de debate, depois de relato do paciente de câncer de pulmão de Ijuí (RS), Afonso Haas, sobre a importância de participar desses estudos na luta pela cura.
Ao término da audiência, Ana Amélia enfatizou que é preciso encontrar um meio de agilizar a liberação de pesquisas clínicas de medicamentos. A progressista gaúcha ponderou, no entanto, que não pode haver risco às questões éticas que envolvem os estudos ou aos direitos dos pacientes que aceitarem atuar como “cobaias humanas”.
— Enquanto um projeto é avaliado pelas autoridades americanas, britânicas ou francesas em três ou quatro meses, ou um mês na Austrália, no Brasil o prazo médio salta para 10 ou 14 meses. Só depois da aprovação, é feita a convocação de participantes. Isso significa que, mesmo com o envolvimento de relevantes entidades de diversos países, o Brasil fica fora da participação em importantes iniciativas científicas na área da saúde — declarou a senadora, durante discurso no plenário à tarde.
Atualmente, a Anvisa leva, em média, um ano para autorizar a realização de pesquisas clínicas de medicamentos. Mas o diretor-presidente da agência, Dirceu Barbano, considerou possível encurtar esse prazo. Uma estratégia para alcançar essa meta passaria pela liberação da Anvisa da obrigatoriedade de analisar o esboço da pesquisa, focando apenas nas questões sanitárias e de segurança do paciente a ela associadas.
Defesa dos participantes
Por sua vez, a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde (Conep) persegue a meta de “zerar a fila” de processos de estudos clínicos de medicamentos acumulados. No início de março, esse volume chegava a 388. Segundo adiantou o coordenador da comissão, Jorge Venâncio, sua meta é alcançar a marca de 130 protocolos analisados ao mês.
— Acredito que, até abril ou maio, daremos a resposta (aos processos) em dois meses – acrescentou Venâncio.
Além do encurtamento do prazo de análise, a Conep levantou questão ligada à defesa de interesses dos participantes de pesquisas de medicamentos. O ponto de partida é o termo de consentimento assinado pelo paciente que se dispõe a atuar como “cobaia”, que Venâncio considera um contrato firmado entre o participante e o pesquisador.
A queixa do coordenador da Conep é a recorrente interrupção do tratamento ao término da pesquisa.
— O tratamento pós-estudo precisa ser assegurado, sob pena de dar vantagem para um lado só no esforço conjunto para enfrentamento do problema — observou Venâncio, afirmando que raros termos de consentimento preveem a continuidade desta assistência.
Sem valor econômico
O secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Carlos Augusto Gadelha, defendeu uma coligação entre os Poderes Executivo e Legislativo e a sociedade para a construção de um marco regulatório para o setor.
— 35% da pesquisa realizada no Brasil está na saúde. O país é o segundo do Brics [potências emergentes da economia global] em termos de pesquisa em saúde. O mercado farmacêutico será o quarto do mundo em 2016 – assinalou Gadelha.
Em meio a esses dados positivos, o secretário assumiu uma posição de cautela quanto ao resultado de pesquisas clínicas de medicamentos e denunciou o abandono de estudos sobre 16 drogas para tratamento de câncer pelo fato de não terem valor econômico.
Perdas para o Brasil
Durante a audiência, os participantes apontaram que o Brasil está perdendo oportunidades no campo da pesquisa clínica de novos medicamentos por conta de um sistema burocrático que engessa os pedidos de autorização para estudos. Entre os expositores, o presidente da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Antônio Brito Filho, afirmou que apenas no ano passado foram inviabilizados 112 estudos em parceria com centros de pesquisa no exterior.
— A indústria não perde nada. Quando o estudo não vem para o Brasil, a indústria desenvolve em outro lugar, e um dia o medicamento vai chegar aqui. Quem perde é o paciente, que dele dependeria, e o pesquisador, para seu aperfeiçoamento — observou. Brito afirmou que os embaraços decorrem de um sistema de licenciamento sem similar no mundo, composto de três a quatro instâncias de análise, envolvendo “retrabalhos” que prolongam em demasia o tempo de avaliação para concessão das licenças. Segundo ele, o tempo de aprovação no país pode chegar a um ano e, na melhor hipótese, representa o dobro da média mundial.
Voluntários
As pesquisas clínicas de medicamentos envolvem estudos com seres humanos, em caráter voluntário, com o objetivo de validar e viabilizar medicamentos, produtos e insumos na área da saúde. Seguem protocolos rigorosos, que são normatizados por resoluções nacionais e internacionais. No Brasil, os pedidos passam pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), vinculados ao Conselho Nacional de Saúde, e também pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). De acordo com Brito, nos Estados Unidos os centros de pesquisa conseguem licenças em até 60 dias. Na Europa, o tempo pode variar entre 60 e 68 dias, enquanto a Coréia do Sul, país que vem se notabilizando nesse campo dos estudos, as autorizações saem dentro de 30 dias. Segundo ele, não adianta constatar que o sistema nacional vem ganhando agilidade, mas reconhecer que ainda perde para a grande maioria dos países e necessita “se colocar no jogo”.
— A disputa é mundial e, portanto, é insuficiente avançar um pouco se alguém lá fora continua andando mais — opinou o representante da indústria.
Ética versus burocracia
Brito refutou a ideia de que as exigências éticas no caso de pesquisas com novas drogas envolvendo testes em humanos exigem cuidados extremos que justificam a burocracia. Segundo ele, é perfeitamente possível conciliar ética, rapidez e eficácia. A seu ver, a verdadeira questão seria a “visão conservadora” sobre pesquisa que prevalece no Conselho Nacional de Saúde.
— Tem que se estabelecer claramente na cabeça do respeitável Conselho que não é pecado falar em pesquisa — enfatizou.
Conquistas
Jaderson Sócrates Lima, que representou a Associação Médica Brasileira (AMB), destacou que os pacientes são os grandes beneficiários das pesquisas clínicas de medicamentos. Ele observou que doenças que no passado eram fatais hoje podem ser curadas ou controladas com medicamentos que dependeram de estudos em humanos. Citou o Acidente Vascular Cerebral (AVC), com redução de 70% da mortalidade, e o HIV-AIDS, com redução de 65% das mortes nas duas últimas décadas, além do sarampo, hoje praticamente extinto no mundo.
De acordo com o expositor, o tema não é de interesse exclusivo da indústria farmacêutica, já que a área estatal também financia e realiza pesquisas em seus próprios centos. Ele defendeu mudanças no atual sistema de regulação e a participação de todos os segmentos no debate para a definição do novo modelo.
Desvantagem no SUS
O avanço do câncer em todo mundo e a necessidade de avançar nas pesquisas foram destacados pelo especialista em oncologia Fábio Franke, coordenador do Centro de Alta Complexidade em Oncologia do Hospital de Caridade de Ijuí (RS). Segundo, os diagnósticos da doença aumentaram, saindo de 14 milhões para 22 milhões de casos novos por ano. No Brasil, seriam 576 novos diagnósticos anuais. Ele também criticou a demora para inclusão de novas drogas nos protocolos de tratamento do Sistema Único de Saúde.
— Quando a droga é aprovada, só fica acessível para pacientes do sistema privado. O SUS é o último destino, o que leva muitos pacientes a requisitar por via judicial — declarou.
O pesquisador afirma que desde 2010 a comunidade envolvida em pesquisa clínica de medicamentos vem debatendo a necessidade de um novo modelo de análise das licenças para estudos. Segundo ele, a pesquisa clínica no país pode acabar se não houver mudanças. Observou que novas drogas, mesmo quando não representam cura definitiva, podem assegurar o controle de doenças e mais qualidade de vida para os pacientes.
— Muitos podem casar, ter filhos, escrever artigos e dar exemplo de que é possível, sim, uma melhor — observou.
Experimentos
Luciana Holtz, que preside o Instituto Oncoguia, uma associação sem fins lucrativos, criada e idealizada com o objetivo de ajudar o paciente com câncer a viver melhor, apresentou os resultados de pesquisa a respeito da disposição dessas pessoas em participar de pesquisas clínicas. Os dados mostram que 90% se dispõem a participar e 100% reconhece a importâncias desses estudos para o avanço dos meios de tratamento e cura.
— O câncer não espera, então vamos reduzir o tempo e aumentar o número de pacientes que podem se beneficiar da pesquisa clínica.
Flávio Cárcano, gerente da área de pesquisa clínica do Hospital de Câncer de Barretos, manifestou as mesmas preocupações, lamentando a impossibilidade de participar de ensaios clínicos internacionais que podem beneficiar os pacientes da instituição, em decorrência dos entraves que impedem a adesão. Também destacou a “angústia de famílias devastadas” em busca de medicamentos que o SUS se recusa a oferecer. Esses pacientes desejariam participar dos testes, se não estivessem impedidos.
— A gente não pede menos ética, mas sim eficiência — cobrou.
Fonte: Agência Senado com Assessoria de Imprensa