Nas últimas semanas a imprensa tem dado ampla cobertura a um fato no mínimo polêmico e controverso em relação a droga FOSFOETANOLAMINA, um suposto medicamento milagroso que está dando o que falar no Brasil que, segundo seu pesquisador Gilberto Orivaldo Chierice, professor aposentado do IQSC, os pacientes de vários tipos de câncer que dela se utilizam estão obtendo uma melhora clínica. A USP chegou a se manifestar sobre o assunto. "Essa substância não é remédio. Ela foi estudada na USP como um produto químico e não existe demonstração cabal de que tenha ação efetiva contra a doença", escreveu a universidade em um comunicado.
O que
é a fosfoetanolamina
É uma substância química
produzida no organismo humano. Ela é indispensável para a vida humana. Dela se
origina outra substância, a fosfatidiletanolamina, que está presente em todos
os tecidos e órgãos humanos.
A
fosfatidiletanolamina é responsável por normalizar o metabolismo oxidativo, que
gera energia no corpo. Esse processo fica prejudicado em células cancerosas. Em
teoria, a ingestão do medicamento faria com que as células voltassem a
trabalhar normalmente. Com isso, o câncer pararia de se desenvolver.
A
fosfoetanolamina (produzida em laboratório) apresentou em testes propriedades
antitumorais em células (in vitro) e em animais portadores de tumores.
Já a natural não apresenta essas propriedades ela para de funcionar, mas os
pesquisadores ainda não sabem os motivos disso.
Testes
com fosfoetanolamina em células humanas
Os
testes foram feitos em células humanas em laboratório, porém não em pessoas.
Segundo o pesquisador Durvanei Maria, foram estudadas linhas celulares de
tumores, como melanoma, pâncreas, renais, leucemias, entre outros.
O
professor Durvanei Maria afirma que a fosfoetanolamina sintética inibiu a
capacidade de multiplicação ou proliferação celular dos tumores. Isso foi feito
a partir da morte celular programada– um efeito que pode ser visto, geralmente,
na queda das folhas das árvores no outono. Os
resultados foram obtidos por Durvane Maria em todos os modelos estudados
(células de camundongos, ratos ou em células humanas).
Segundo a
doutora Giovana Torrezan, medicamentos contra o câncer que estão em
desenvolvimento atualmente não são como a quimioterapia, que mata todas as
células que se dividem no corpo humano. Esses medicamentos em desenvolvimento
são chamados de “drogas alvos” e só alteram as células tumorais. Já
a pílula de fosfoetanolamina reativa
a morte celular programada, estimula o sistema imune a eliminar a célula do
tumor e pode impedir o desenvolvimento de vários outros tumores. “Mas
ainda não se sabe quais seriam seus efeitos colaterais", explica.
As
pesquisas comprovam que a fosfoetanolamina não altera as propriedades
dos remédios usados durante a quimioterapia. Além disso, ela também é capaz de
aumentar a probabilidade de sobrevida e diminuir significativamente os efeitos
colaterais. Assim,
a fosfoetanolamina não serve como substituto da quimioterapia. Na realidade, a
associação dos dois medicamentos e de outros tratamentos talvez possa ajudar no
combate ao câncer.
“A
fosfoetanolamina já passou por duas importantes etapas, mas a história nos
mostra que não há garantias que mantenha a atividade em humanos e que não haja
riscos, ou interações importantes com outros medicamentos que o paciente esteja
utilizando”, avisou Ferreira.
Inicio da produção
O
químico Gilberto Orivaldo Chierice, professor aposentado do IQSC, começou a
estudar a substância na década de 1980 e passou a trabalhar com a hipótese de
que ela teria uma ação anticancerígena. Ele desenvolveu, então, um método próprio
para sintetizar a substância em laboratório. O processo para
se testar a segurança e as possíveis propriedades terapêuticas de um componente
é longo e envolve várias etapas de pesquisa, que não foram cumpridas no caso da
fosfoetanolamina sintética.
Etapas da pesquisa
Primeiro, a substância que é candidata a se tornar um medicamento deve ser
testada em modelos mais simples, como uma célula, explica a cientista Vilma
Regina Martins, superintendente de Ensino e Pesquisa do A.C.Camargo Cancer
Center. Depois, o produto deve passar por um estudo em animais, que busca
verificar se a droga é capaz de, por exemplo, controlar o tumor em um organismo
vivo. Nesta fase, são feitos testes
em roedores e em não-roedores (estudos pré-clínicos). A etapa também é capaz de
determinar se a substância tem uma atividade muito tóxica ou se é segura para o
uso. Caso todos os resultados sejam favoráveis, na próxima fase começam os
testes clínicos, em seres humanos.
Na pesquisa clínica de fase 1, avalia-se a segurança e a toxicidade do
produto em humanos, geralmente voluntários saudáveis. Na fase 2, feita em um número maior de pacientes, começa-se a testar a
eficácia da droga contra a doença em
questão. A fase 3 envolve um número
muito maior de pacientes. Geralmente, é feita em vários centros em diferentes
países (estudos multicêntricos). Somente depois disso é que o produto pode ser
submetido à agência reguladora (a Anvisa, no caso do Brasil; PMDA, no Japão;
FDA, nos EUA) para que o pedido de registro seja avaliado. Cada uma dessas fases tem de ser aprovada pelos órgãos competentes,
como o Comitê de Ética e Pesquisa (CEP), a Comissão de Ética em Pesquisa
(Conep) e a Anvisa. “Todos os tipos de tratamentos têm de ter
fundo científico: isso é que é medicina com base em evidência. Qualquer coisa
diferente disso é charlatanismo, não é ciência.”, diz Vilma.
No caso da
fosfoetanolamina sintética, o único teste pelo qual a substância passou
logo quando começou a ser sintetizada pelo IQSC, segundo Chierice, foi o da
dose letal, que verifica a quantidade da substância capaz de matar metade de
uma população de animais de teste. Chiarice diz que a substância não provocou a
morte de nenhuma cobaia e ele concluiu que seria seguro testa-la em humanos.
Depois disso, ainda
segundo o pesquisador, as cápsulas começaram a ser administradas a pacientes
com câncer do Hospital Amaral Carvalho, de Jaú, com quem o IQSC mantinha um
convênio por causa de outro projeto. De acordo com Chiarice, a droga foi
administrada mediante a assinatura de um termo de responsabilidade por parte
dos pacientes, muitos em estágio terminal da doença.
Chiarice diz que, apesar
da falta de documentação sobre o efeito da fosfoetanolamina nesses pacientes,
“algumas pessoas tiveram melhora” e a existência de uma “cápsula da USP” para
tratar câncer começou a ser divulgada. Mesmo depois de o hospital deixar de
administrar o produto aos pacientes, alguns familiares continuaram indo até o
IQSC para pedir novas doses e o instituto se manteve produzindo para atender a
essa demanda. “O paciente
melhorava e recomendava para o vizinho. No início, a gente nunca controlou
isso, não éramos médicos. Eles diziam: 'Queria levar para a minha prima porque
deve fazer bem'. Nossa atitude não era policiar isso”, diz o pesquisador.
O próprio cientista
admite que não sabe qual é a dose adequada da substância. “Em que dose as
pessoas tomavam? A mesma que o hospital dava. Não tínhamos como clinicar ou
recomendar, não éramos médicos, não tínhamos escopo para dizer isso. Eles já
vinham com a orientação do vizinho, de um colega. É dificílimo de controlar.
Isso criou uma bola de neve e, em 2013, estávamos produzindo mais de 50 mil
cápsulas por mês.”
Continua...
http://falandosobreela.blogspot.com.br/2015/12/a-fosfoetanolamina-e-o-direito-de_10.html