Por Michelle Cristina da
Silveira
O presente trabalho teve
como objetivo geral compreender as questões psicológicas envolvidas no luto
antecipatório de pacientes com diagnóstico de doença neurodegenerativa –
Esclerose Lateral Amiotrófica, a partir do relato da experiência de adoecimento
feito no livro de Mitch Albon (1998): “A Última Grande Lição”. Foi realizada uma revisão bibliográfica
sobre o tema Luto, Paciente Terminal e Cuidados Paliativos e uma articulação desta
teoria com alguns trechos da história relatada no livro de Albon.
Concluímos que o acometimento neurodegenerativo traz limitações e incapacitações e é uma vivênciapotencialmente desestruturante tanto para o paciente que sofre com a enfermidade, quanto para os familiares e/ou cuidadores que assistem de forma impotente a morte de um ente querido. Há particularidades neste adoecer, especialmente, no que tange às perdas irreversíveis e na forma como o sujeito já fragilizado pelo diagnóstico poderá enfrentá-las.
Vemos o papel do psicólogo
como agente organizador da vivência, tanto para o paciente, quanto para as
famílias, já que oferece sua escuta ativa, facilitando a expressão dos sentimentos
ambíguos que podem ser sucitados e, devido à isso, colaborando para a vivência
do luto antecipatório ser realizada de maneira mais saudável dentro das
limitações de cada caso.
Segundo Kovács (1992) as
perdas e sua elaboração fazem parte do cotidiano já que podem e são vividas em
todas as fases da vida do ser humano. Simples mudanças relacionadas ao
desenvolvimento normal da espécie, como evoluir da infância para a adolescência
e desta para a vida adulta despertam sentimentos como: angústia, medo, insegurança
e tristeza, e por ter tal conotação, carrega em si aspectos relacionados à
morte / perda, o que implica na elaboração de um luto. Bowlby
(2004) entende o luto como sendo uma resposta ao rompimento de um vínculo
significativo e geralmente, pode vir acompanhado de sintomas como:
tristeza
desânimo
falta
de interesse no mundo externo
dificuldade em esboçar
sentimentos
inibição
das atividades
diminuição da auto-estima
culpa
punição.
O
mesmo autor (2004) diz: “A perda de uma pessoa amada é uma das experiências mais
intensamente dolorosas que o ser humano pode sofrer. É penosa não só para quem
a experimenta, como também para quem a observa, ainda que pelo simples fato de
sermos tão impotentes para ajudar.” (p. 04).
Kluber-Ross
(1969), destacou a existência de algumas fases no processo de luto dos pacientes:
-
negação: É uma proteção da psique no sentido de ganhar tempo para viabilizar
outros recursos emocionais para o enfretamento daquela situação inesperada;
- raiva: Pode surgir quando
o sujeito não consegue mais manter a negação. Esta fase está carregada de
outros sentimentos como revolta e ressentimento. Geralmente é uma fase difícil,
pois, por projetá-la no ambiente externo, o paciente acaba afastando algumas pessoas
que não suportam tais agressividades;
-
barganha: Está diretamente relacionada com a forma que o sujeito se coloca na
vida. Muitas vezes, a barganha aparece pela relação de troca, ou seja, o
sujeito pensa que conseguirá melhoras a partir dos seus bons comportamentos ou
boas ações;
- depressão: Vem juntamente
com a maior conscientização a cerca da evolução da doença e das limitações
impostas por ela e, sobretudo, aceitação da morte.
Franco
(2002) completa o conceito falando das diferentes dimensões atingidas no processo
de luto:
Dimensão
Intelectual:
desorganização
falta
de concentração
desorientação
e negação
Dimensão
Emocional:
choque
entorpecimento
raiva
culpa
alívio
tristeza
medo
confusão
Dimensão
Física:
alteração
do apetite
alteração
do sono
alteração
do peso
Dimensão
Espiritual:
sonhos
perda ou aumento da fé
Dimensão
Social:
perda da identidade
isolamento
perda da habilidade e do interesse em
se relacionar socialmente.
A
autora ressalta, ainda, que cada pessoa vivencia o luto à sua maneira, sendo
uma experiência única e particular devido características subjetivas de
personalidade e a forma de vinculação em relação à pessoa perdida.
E como é para uma pessoa com
diagnóstico de uma doença letal e degenerativa como a Esclerose Lateral
Amiotrófica a vivência do seu próprio luto? Se situações de perdas de terceiros já são consideradas
desestruturantes, como pensar em assistir e interagir com este processo em si
mesmo?
Nas
palavras de Salgueiro (2008, p. 31): A vivência de uma pessoa com ELA pode
significar uma morte de si em vida, porque as perdas sucessivas fazem com que a
pessoa doente tenha que reestruturar frequentemente a sua vida, por meio da
elaboração de perdas de partes de si e do outro, em função das limitações que
se intensificam. É a vivência da morte em vida. Kovács (1996) pensa o processo
do adoecer de forma degenerativa, como uma situação que traz profundas
modificações na vida dos pacientes que são influenciadas pelo grau de energia
investida na atividade ou função que não poderá mais ser executada, estágio de
desenvolvimento do sujeito, características de personalidade, as experiências vividas
e os recursos de enfrentamento: “Quanto mais o indivíduo procurar viver, mais ficará
em evidência as suas dificuldades e restrições (...).” (PRIZANTELI et al, 2005,
p.25).
Acresce-se
à isso as seguintes condições:
-
Alteração da imagem física que exige ao sujeito uma nova organização corporal
-
Perda da sensibilidade que interfere na
forma como a pessoa irá se relacionar
-
Imobilidade que gera impotência pelo impedimento de realizar tarefas que antes eram
comuns e importantes;
-
Dependência, que pode gerar sentimentos de degradação e vergonha, sobretudo, por
estar relacionada à cuidados íntimos e pessoais que necessitam ser delegados à
uma outra pessoa;
-
Isolamento, já que as pessoas se afastam por não saberem como se relacionar com
quem adoece e, o sujeito também prefere este não contato para evitar
constrangimentos.
Não
podemos esquecer que para o paciente
conviver com esta realidade,ou seja, a inevitabilidade
da própria morte quando ainda se encontra relativamente sadio, pode
ser extremamente angustiante e provocar períodos de depressão,
revolta, sentimentos de desamparo, falta de controle sobre a própria
vida, etc. (p.23).
Vemos
a vivência de sentimentos paradoxos e sensações ambíguas, é o viver e o morrer
ao mesmo tempo, como psicologicamente administrar tais inquietações? “(...) a
morte constitui ainda um acontecimento pavoroso, um medo universal (...)” O
sujeito fica impedido de realizar coisas por si próprio; vestir-se, alimentar-se
são verbos que deixam de ser conjugados desta forma, pois, depende agora da
ação e disponibilidade do outro, o “meu jeito” vai desaparecendo aos poucos, o
eu vai dando lugar a nós. O querer e o fazer passam a ser cada vez mais
mediados pelo outro, surgindo, então, a necessidade de se estabelecer consenso
entre o seu desejo e a compreensão deste desejo pelo outro. A autonomia vai
tendo que dividir espaço com a renuncia e a resignação, pois, a necessidade de
ajuda vai se impondo ao desejo. (PRIZANTELI et al, 2005 p. 26).
Fonte:
Trabalho
de Conclusão de Curso de
Aprimoramento em
Teoria,
Pesquisa e Intervenção em Luto.
São
Paulo - 2011
O
presente texto foi editado pelo autor do blog
Imagem
meramente ilustrativa